Quando Satoshi Nakomto desenvolveu a Bitcoin em 2009, seu objetivo era simples: criar uma moeda livre de intermediários (leia-se controladores) que fosse não apenas segura do ponto de vista tecnológico, mas que também pudesse conectar seus usuários em uma rede descentralizada, sem risco de fraude ou dependência de um servidor central. Setes anos depois, a Bitcoin já movimentava mais de 160 milhões de dólares, em pelo menos 100 países ao redor do mundo. Apesar da criptomoeda ter realmente revolucionado a forma como lidamos com o dinheiro e ter trazido questionamentos importantes à sociedade em geral, o maior legado de Satoshi Nakamoto não é a Bitcoin em si, mas a tecnologia na qual ela foi criada: a rede blockchain. Em linhas gerais, uma rede blockchain consiste em vários computadores conectados, capazes de gerar, movimentar e armazenar informações de uma maneira descentralizada, onde qualquer ação entre dois usuários precisa ser verificada por outros usuários da rede antes de ter alguma validade. [caption id="attachment_21131" align="alignnone" width="646"]desenvolvedor_block_chain_1 Sistema Centralizado Vs. Descentralizado (Blockchain)[/caption] Para fazer jus à proposta da série Trabalhos do Futuro, aqui do Carreirasolo.org, nada melhor do que conversar com um profissional que completamente imerso num dos mercados mais promissores da programação: o desenvolvimento blockchain.

Shlomi Zeltsinger: Como (e porque) me tornei um Desenvolvedor Blockchain

Há cerca de seis anos, li um artigo numa dessas revistas de finanças sobre um novo tipo de “moeda digital” chamado bitcoin. Naturalmente, o artigo estava bem confuso, o que não era uma surpresa visto que naquela época todo mundo ainda estava começando a entender o funcionamento das criptomoedas ou tecnologias blockchain em geral - na verdade, o artigo nem citava esses termos. Mas por que então eu ainda me recordo deste artigo? Na hora, eu lembro de tê-lo lido rapidamente e desacreditado completamente em bitcoin. Para mim tudo aquilo não passava de outro golpe qualquer, organizado por um desses hackers underground de filmes americanos. [caption id="attachment_21132" align="alignnone" width="750"]desenvolvedor_block_chain_2 Sim, como em Mr. Robot.[/caption] Alguns anos depois deste incidente, quando eu já era (razoavelmente) mais maduro e inteligente, li outro artigo sobre bitcoin - desta vez numa revista de tecnologia. Apesar de também não estar totalmente claro sobre do que se tratava aquela criptomoeda, desta vez o artigo foi de grande ajuda para a audiência. O repórter não estava somente bem informado sobre o que era bitcoin, como também conhecia muito bem seus leitores, que entendiam muito sobre tecnologia mas praticamente nada de economia. O resultado foi o primeiro artigo que eu li sobre bitcoin que realmente levava em consideração todos os aspectos técnicos por trás da blockchain - sistema descentralizado de dados na qual a bitcoin funciona -, dando exemplos que realmente faziam sentido para minha realidade e fugindo daquelas ideias “utópicas”, presente em praticamente qualquer publicação sensacionalista sobre o assunto. Ao terminar de ler este segundo artigo, eu estava fisgado. A promessa por trás de todos protocolos que envolvem as tecnologias blockchain são provavelmente os projetos mais ambiciosos que eu já conheci no mundo digital. Não se trata de apenas mais um aplicativo legal, jogo ou rede social onde você pode postar fotos aleatórias. A tecnologia blockchain nos desafia a literalmente repensar, remodelar e reconstruir os elementos mais centrais da sociedade humana - dos sistemas financeiros e regimes de governo aos processos burocráticos e gestão de informação. Praticamente tudo que usamos (e dependemos) hoje em dia pode se beneficiar através das tecnologias blockchain que estão sendo desenvolvidas por profissionais ao redor do mundo. E eu definitivamente queria (e ainda quero) fazer parte disso. [caption id="attachment_21133" align="alignnone" width="958"]desenvolvedor_block_chain_3 Algumas iniciativas (sem fins lucrativos) utilizando a tecnologia blockchain[/caption]

Meus primeiros passos

Inicialmente, eu não tinha nenhuma experiência com programação. Naquela época eu ainda estava terminando meu bacharelado em química e ciências ambientais, então eu sabia que cedo ou tarde teria que trabalhar pesado para aprender as habilidades necessárias para começar a desenvolver aplicativos usando a rede blockchain. Decidi começar pela linguagem Python, por vários motivos. Ela era fácil de usar, bem documentada e inclusive já estava sendo implementada em várias aplicações envolvendo blockchain. Confesso que me impressionei com o resultado. Python se mostrou uma linguagem realmente simples de aprender e, durante meus estudos, acabei aprendendo vários conceitos envolvendo linguagens de programação, arquitetura da informação e funcionamento de protocolos. Tudo isso foi bastante útil no futuro, quando comecei a desenvolver os meus primeiros aplicativos. Depois que eu percebi que estava razoavelmente competente com Python, decidi focar mais no desenvolvimento de aplicativos em si. Por sorte, foi nesta época que também começaram a surgir as primeiras bibliotecas relacionando JavaScript com blockchain. JavaScript também acabou sendo relativamente fácil de se aprender. HTML e CSS nem tanto, mas logo eu consegui desenvolver habilidades o suficiente para produzir meus primeiros aplicativos.

Transformando paixão em profissão

Quando Vitalik Buterin - que por sinal já era bastante respeitado na comunidade bitcoin - começou a introduzir suas primeiras visões sobre a  Ethereum, eu já tinha um profundo conhecimento dos aspectos técnicos envolvendo as tecnologias blockchain, o que me fez achar a proposta de Vitalik  ainda mais promissora. [caption id="attachment_21134" align="alignnone" width="750"]desenvolvedor_blockchain_4 Vitalik, o Gênio de 22 anos.[/caption] Ao mesmo tempo, comecei a me dedicar muito ao meu mestrado em algoritmos e machine learning, mas logo percebi que nenhum conteúdo dos cursos me ofereciam conhecimentos verdadeiramente novos e úteis para eu aplicar no “mundo real”. Foi então que decidi largar todas as minhas atividades “convencionais” e transformar minha paixão em carreira profissional, da qual eu deveria conseguir dinheiro o suficiente para me sustentar e conseguir me dedicar aos meus projetos. Comecei produzindo vídeos sobre os conceitos básicos de blockchain e ensinando como implementar algumas funções básicas com o Python. A atenção que recebi no início foi bem modesta, mas foi o suficiente para atrair curiosos e pessoas interessadas em ganhar dinheiro com blockchain. https://youtu.be/neUy-nXshzg De repente comecei a receber ligações e e-mails de profissionais das mais diversas indústrias solicitando ajuda técnica e conselhos. A maioria deles queriam usar o poder da tecnologia blockchain em suas respectivas indústrias, e eu estava realmente emocionado em estar no centro de tantas “revoluções”, em áreas tão distintas entre si. Muitas pessoas com as quais eu trabalhei estavam sinceramente interessadas em reinventar seus serviços e modelos de negócio para se encaixarem nas necessidades do século XXI. Muitas com o potencial de mudar a vida de milhões (senão bilhões) de pessoas em países em desenvolvimento, que podem finalmente ter acesso a serviços que nós temos como “básicos”, como bancos, seguros de saúde, pensões, transparência governamental etc - a lista é um tanto extensa.

Por onde começar?

Blockchain e sistemas descentralizados em geral não são essa coisa assustadora que muitas pessoas têm em mente. Todos os protocolos são bem documentados e uma vez que você consegue mudar essa mentalidade de sistemas centralizados, na qual somos criados desde crianças, tudo faz sentido - você só precisa começar com passos menores. Primeiro, você precisa entender o que realmente diferencia as tecnologias blockchain de todas as outras soluções que temos hoje. Depois, com algumas noções básicas de programação e TI, você consegue facilmente se familiarizar com a parte técnica e desenvolver os seus primeiros aplicativos. Finalmente, quando você consegue juntar todo seu conhecimento teórico com a aplicação técnica de programação, será capaz de criar soluções descentralizadas para praticamente todas as indústrias que temos hoje.

A revolução blockchain

Pessoalmente, estou apaixonado por todas as soluções inovadoras baseadas na tecnologia blockchain que têm surgido nos últimos anos. Meus dedos coçam e meu apetite é insaciável. Por muito anos eu tenho trabalhado para que todas esses códigos saíssem do “mundo dos nerds” e conseguissem ser realmente úteis para a vida das pessoas comuns, com problemas reais e que só podem ser resolvidos com aplicações reais. Se você ainda não entende o tamanho dessa mudança, é bom preparar a pipoca e assistir todos estes projetos relacionados à blockchain que já estão mudando a realidade do mundo, como a democratização de informações e sistemas descentralizados de controle. Então, em algum momento, você vai sentir o mesmo entusiasmo que eu sinto hoje sendo um desenvolver blockchain - tenho certeza disso!

E no Brasil?

Se você nunca ouviu falar do termo blockchain ou não conseguiu identificar o potencial dessa tecnologia, não se sinta sozinho(a). Infelizmente esta tecnologia disruptiva no Brasil ainda está dando os primeiros passos, com pouquíssimos aplicativos sendo desenvolvimentos e investimentos praticamente inexistentes por parte do governo. A boa notícia? Alguns bancos e empresas brasileiras já começaram a perceber o valor de usar essa tecnologia em seus sistemas, e por isso vários workshops e cursos têm surgido ao redor do Brasil com o foco no desenvolvimento de aplicativos blockchain. Um ótimo exemplo é a Exosphere Academy, programa de imersão com 8 semanas de duração, voltado ao ensinamento de habilidades indispensáveis para a Economia Criativa e tecnologias disruptivas em geral. Sobre Shlomi Zeltsinger Shlomi começou a produzir os primeiros tutoriais sobre tecnologias blockchain no YouTube e rapidamente se tornou autoridade no assunto, prestando consultorias para empresas dos mais diversos segmentos. Atualmente ele também é um dos mentores da Exosphere Academy, em Palhoça (SC).